O TEMPO DA DESETERNIDADE

“Vós sois, antes de todos os tempos,

o eterno Criador de todos os tempos.

Estes não podem ser coeternos convosco,

nem nenhumas outras criaturas,

ainda que haja algumas

que preexistem aos tempos”.

(Santo Agostinho, Confissões, Livro XI)

Tic tac tic tac tic tac

o tempo espremido na cozinha

sussurra os gemidos dos relógios

Tic tac tic tac tic tac

mas não se pode prender o tempo

que não brotou das calendas

nem das fotografias ou dos retratos

pois o tempo não é uma coisa que se amarre

se segure, se imobilize, ou se pare

Tic tac tic tac tic tac

não havia tempo antes do tempo

apenas o nada que vivia fora da eternidade

que não são a mesma coisa

porém são semelhantes e são iguais

Tic tac tic tac tic tac

e a eternidade então fatigada

de ser somente uma eterna imortalidade

criou da não-existência o tempo

que não se podia achar dentro da perenidade

Tic tac tic tac tic tac

o tempo é o oposto da eternidade

onde nada nasce, muda, cresce e morre

porque nascer, mudar, crescer e morrer

são crias do tempo que nasceu

de onde só havia o nada

que vivia fora da eternidade

que não são a mesma coisa

porém são semelhantes e são iguais

Tic tac tic tac tic tac

e o tempo pariu a vida

e a vida se fez finita

mutável e perecível

como tudo que existe na vida

no Mundo, na Via Láctea e no Universo

que assim como o nada

vivem também fora da eternidade

Tic tac tic tac tic tac

morituri te salutant

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 01/08/2022
Reeditado em 01/08/2022
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