Viejita
Para D. Ana.
Não precisaria falar dela
se família não fosse aqueles ao nosso redor
se a sorte não fosse madrasta com péssimo senso de humor
e seus filhos não fossem aves de rapina sempre famintas
e em pleno estado de caça.
Não precisaria, por Deus, não presaria,
se viver em Tortuga não fosse espécie de Ucrânia no inferno
e nos suportarmos como vizinhança
não fosse outra tarefa não menos hercúlea
e se dormir e acordar ali não traísse a esperança matinal de cada dia
e nisto não houvesse renúncia a Deus ou apostasia fingida em grito abafado
sim, não precisaria falar dela se não fosse a circunstância das circunstâncias.
Não precisaria, bom Deus, não presaria falar dela
se tivéssemos o sossego esperado neste recanto de degredados
se não fossemos explorados e exploradores de ilusões aviltantes
e amantes de amores sem amor e se a beleza
não fosse virtude de jovens e corações impuros
e se psicopatas quisessem apenas dinheiro, poder e sexo
meu Deus, meu Deus, não precisaria falar dela
se a vida não fosse uma mãe sem misericórdia das vítimas
que finge não enxergar nelas seus filhos.