Pássaro branco

Um pássaro branco, colosso arredio

Pousa em meu peito, plúmbeo pássaro

de denso vazio.

Seu peso sufoca-me

intolerável leveza do silêncio

Mudez taciturna, noturna iguaria de fel

Tuas largas, gordas largas plumas

Me aprumam em crepuscular névoa soturna,

Deste breve dissabor da incompletude,

Pálida lacuna a roubar-me o vigor e

romper o alento, pungente peso do hiato

que censura o afago

da vida e do tempo.

O fato, é que não brado

palavra ou mudez indulgente,

não anuncio a glória ou

descenso presente

Presença esta, única, do pássaro branco

que reina em meu peito.

Em vã intenção de extirpá-lo

e findar o pesar, rijo fardo,

miro, feroz, um punhal bravio:

Desfaz-se o pássaro em tenaz vazio.

Atinjo, aflitiva lança, em meu peito indigente

A ferida da ira: só tange a quem sente.

Refaz-se, em grandeza, este pássaro

Íntegro, como se jamais lhe houvessem tocado

Compreendo, então, com clareza

Que a vacuidade perfaz sua essência

esculpido sem matéria,

habitando sem espaço.

Realiza-se na ausência. Reina o nada.

Esse pássaro, gigante inexistente:

É a falta.

Nicolle Ramponi
Enviado por Nicolle Ramponi em 21/07/2022
Código do texto: T7564801
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