COMO UMA ESTRELA CADENTE
Venho de muito longe
bem antes do meu nome
banhado no frio úmido
de uma antiga pia batismal
Sou cria do suor, da unha
e da carne dos meus pais
descendentes lá de trás
do desejo de algum deus
que talvez já nem exista mais
Sou pó retirado do Caos
oriundo de uma noite ancestral
cujo silêncio se espatifou
em afônicos átomos largados
que milênios após se esbarraram
no bailar rodante dos astros
e no brilhar morto e insepulto
de tantas estrelas desencontradas
Nasci dos sonhos desvelados
dos segredos não mais ocultados
vindo da inquietude do barro das costelas
dos buliçosos desvarios assanhados
de uma Eva ávida, insana e embriagada
Sou fruto distante da Árvore
semente a fecundar o solo da Vida
por onde peregrina a Humanidade
sem mapa, destino ou paragem
ou lugar algum para se ir ou ali chegar
Sou como uma vírgula em uma nota de rodapé
de uma página não lida de uma brochura perdida
no fundo ignorado de uma biblioteca
na qual se guardam todos os livros
que compõem esta agigantada Babilônia
apelidada e chamada de Universo
Mas se eu não fosse uma vírgula
seria um meteorito excêntrico a cruzar
deixando um rastro apressado
em um largo céu vertiginoso
pintado inteiro de azul
como que quisesse
apenas por um segundo
me ver nele ligeiro passar