COMO UMA ESTRELA CADENTE

Venho de muito longe

bem antes do meu nome

banhado no frio úmido

de uma antiga pia batismal

Sou cria do suor, da unha

e da carne dos meus pais

descendentes lá de trás

do desejo de algum deus

que talvez já nem exista mais

Sou pó retirado do Caos

oriundo de uma noite ancestral

cujo silêncio se espatifou

em afônicos átomos largados

que milênios após se esbarraram

no bailar rodante dos astros

e no brilhar morto e insepulto

de tantas estrelas desencontradas

Nasci dos sonhos desvelados

dos segredos não mais ocultados

vindo da inquietude do barro das costelas

dos buliçosos desvarios assanhados

de uma Eva ávida, insana e embriagada

Sou fruto distante da Árvore

semente a fecundar o solo da Vida

por onde peregrina a Humanidade

sem mapa, destino ou paragem

ou lugar algum para se ir ou ali chegar

Sou como uma vírgula em uma nota de rodapé

de uma página não lida de uma brochura perdida

no fundo ignorado de uma biblioteca

na qual se guardam todos os livros

que compõem esta agigantada Babilônia

apelidada e chamada de Universo

Mas se eu não fosse uma vírgula

seria um meteorito excêntrico a cruzar

deixando um rastro apressado

em um largo céu vertiginoso

pintado inteiro de azul

como que quisesse

apenas por um segundo

me ver nele ligeiro passar

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 19/07/2022
Reeditado em 19/07/2022
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