Sintoma
Aquele cheirinho de café
Vindo da cozinha
Acordando a vizinhança
Que ainda dormia
Um sono de criança
Relutando pra ficar de pé...
Era mais um dia de mola
E eu acordei com o corpo mole
A febre, a fadiga, a virose,
E o lençol molhado de suor
O sabor do chá de minha avó
Camomila
A cama forrada
A ave Maria na televisão
O chão da casa de piso queimado
E a voz pegando minha mão,
Me envolvendo
Me aquecendo...
Estou queimando de febre
Cheiro de café
A fé da minha tia
A ave do meu pai
Se lamentando na gaiola
O desenho animado
Sinestesia
Anestesiado de remédio
Era de manhã
Mas minha mãe não estava
Era o delírio da febre
Que a evocava
Olho ao redor:
Nem ave
Nem Maria
Avó
Nem chá
Pai nosso
Era de manhã
Minha dor não foi perder o trabalho
Foi perceber que não havia ninguém
Na sala
No quarto
No terraço
Cozinhando
O perfume do café
Passou
E levou consigo o que sobrou
Da minha fé...