Queda

Bruscamente me vi em queda livre

estrangeiro nas terras do meu próprio eu

me desconheci, e por um instante

não sabia se caía ou se flutuava.

Momentaneamente esqueci que me habitava

tamanha a demora do pouso

dos meus olhos nos teus compassos.

O momento da queda

é um movimento extasiante:

o corpo adormecido e latente

se apruma de asas abertas

em direção ao precipício.

E a gravidade do meu corpo

em atração ao teu

foi minha ficção mais elaborada.

Não se pode, contudo, cair para sempre.

O abismo tem um fim,

o precipício tem um fundo.

Bruscamente me vi então no chão

e o escuro da ilusão

e das imagens fugazes de quem caía veloz

foram dando lugar a outras percepções.

Eu tive que desinventar-te...

A realidade se impõe sobre a fantasia.

Veja, não se trata de demonizar-te

mas de enxergar o que sempre foste

e durante a queda não tive os olhos

pois fui todo vertigem e coração.

Compreendo agora com certa ternura

pelas cicatrizes dos meus tropeços

que desiludir-se é mesmo inevitável

e que o amor resultante é uma espécie de resíduo.

A queda não é o amor.

Com o perdão do que soará como blasfêmia

contra um sentimento tão estimado, mas

o

amor

não

é

a

queda

O amor é qualquer coisa que emerge,

que sobrevive após a queda.

O amor são os cacos espatifados de um espelho,

que estava fadado a rachar.

O espelho da paixão funde, confunde

Faz-nos acreditar que somos um.

O amor é a diferença que se impõe

entre dois corpos dançantes

que tentam, desengonçadamente

incansavelmente

alinhar seus compassos.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 05/06/2022
Reeditado em 18/10/2022
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