Queda
Bruscamente me vi em queda livre
estrangeiro nas terras do meu próprio eu
me desconheci, e por um instante
não sabia se caía ou se flutuava.
Momentaneamente esqueci que me habitava
tamanha a demora do pouso
dos meus olhos nos teus compassos.
O momento da queda
é um movimento extasiante:
o corpo adormecido e latente
se apruma de asas abertas
em direção ao precipício.
E a gravidade do meu corpo
em atração ao teu
foi minha ficção mais elaborada.
Não se pode, contudo, cair para sempre.
O abismo tem um fim,
o precipício tem um fundo.
Bruscamente me vi então no chão
e o escuro da ilusão
e das imagens fugazes de quem caía veloz
foram dando lugar a outras percepções.
Eu tive que desinventar-te...
A realidade se impõe sobre a fantasia.
Veja, não se trata de demonizar-te
mas de enxergar o que sempre foste
e durante a queda não tive os olhos
pois fui todo vertigem e coração.
Compreendo agora com certa ternura
pelas cicatrizes dos meus tropeços
que desiludir-se é mesmo inevitável
e que o amor resultante é uma espécie de resíduo.
A queda não é o amor.
Com o perdão do que soará como blasfêmia
contra um sentimento tão estimado, mas
o
amor
não
é
a
queda
O amor é qualquer coisa que emerge,
que sobrevive após a queda.
O amor são os cacos espatifados de um espelho,
que estava fadado a rachar.
O espelho da paixão funde, confunde
Faz-nos acreditar que somos um.
O amor é a diferença que se impõe
entre dois corpos dançantes
que tentam, desengonçadamente
incansavelmente
alinhar seus compassos.