NO INVERNO DA ANTERIOR LONGEVIDADE
Nunca pensei viver tanto,
eu que tanto desejei a imortalidade
Não entro nos derradeiros anos,
pois todos os anos sempre me foram finados
Vou envelhecendo sem pressa
à medida que os dias se acumulam em minha memória,
no ajuntar das horas que meu corpo revela
Não envelheço porque quero,
mas porque continuo vivendo além do século
em que deixei meu menino e os arroubos do rapaz
No descortinar do homem que ora sou,
tenho outro rosto sobre a idêntica face,
apenas mais gasto, enrugado e menos graxo
Nada mudou em mim, eu que já não sou o mesmo,
depois de tantos sorrisos escorridos pelos cantos da boca
e de algumas lágrimas furtadas no olhar da mulher amada
Hoje em meu peito tão remendado,
aproximo-me dos meus mortos feito fronha dobrada
em um leito de um quarto ainda meio desarrumado,
onde passo as noites desagasalhado a remexer velhos retratos
A velhice não pede licença, somente se instala
no sofá puído do tempo, no qual passa os domingos
lendo as notícias dos recentes obituários
Chegou primeiro despercebida como letras miúdas de um contrato,
que assinei sem ao menos ler seus mínimos detalhes,
e agora, sorrateira e manhosa,
abriga-se por baixo das sombras dos ponteiros dos relógios,
e quando me dei conta ela já dormia na cama onde antes era meu lado