DE QUE SÃO FEITO OS POEMAS
Nenhum poema é feito apenas para ser lido
Poemas são feitos para serem vistos
cheirados, tocados, degustados, sentidos
Poemas são compostos para serem lambidos,
com a língua nem sempre macia dos sentimentos
mastigados, degustados e engolidos
Poemas têm gosto de chocolate amargo,
misturado com amêndoas adocicadas
retiradas do seio das pedras e dos cascalhos
do que ainda restou dos nossos meninos
Poemas são imagens táteis, sensíveis
que devem ser apalpados sem pressa
como um acariciar dos enamorados virgens
Poemas têm a alma das aves
mas nem sempre cantam como cotovias
Tem versos que são estridentes
esganiçados, agudos e contundentes
Poemas são pássaros que de cima olham
o telhado das casas e a sujeira dos asfaltos
deixada pelas apetências passageira dos homens
Poemas têm cheios de tintas
com que pincelamos o branco dos vácuos
e descolorimos as ruas para de novo pintá-las
(todo poema tem o aroma dos ventos
e do que ele nos traz ao interior ofegante das narinas)
Nem todo poema é assim comestível
têm os encruados e os indigestos
os espinhentos e os penosos
os azedos, os ácidos e os coalhados
tem até poema picante e ardido
e aqueles que são feitos do sal da terra
com o suor da carne e o chorar dos anjos
Poemas são paisagens que olham
o desejo das janelas e o ocultar das persianas
que entende o falar moscado das orquídeas
e o tagarelar anunciante dos grilos
Poemas traduzem o linguajar das paredes
os segredos sigilosos dos sapatos
as lamúrias dos óculos abandonados
as confidências dos desnudar das roupas íntimas
o sussurrar saudoso dos fantasmas
o voejar desalado das nuvens
e os alaridos infantis do passado
[A poesia é a língua preferida dos silêncios]
Mas os poetas não fazem poemas
são os poemas que nos escolhem