O GUARDA-ROUPAS
O que pensam as roupas que costumeiramente não uso?
Sentem elas a saudade do suor do meu corpo
a lhes dar formas, contornos e serventias?
O que será que conversam na fundura
escura e silenciosa dos armários hoje embutidos?
Deve ser sobre nossos últimos passeios
como recém-enamorados colados um ao outro
ou como elas foram excluídas das camas
a escutar gemidos, sussurros e rangidos
que vêm dos rumores das genitálias e das bocas
O pudor das vestes encobre nossas ocultas indecências
As roupas até mesmo as menos íntimas vestem o homem
e dialogam comigo no tato da pele com a textura dos tecidos
Ah se eu pudesse mudar a vida como quem muda de roupa
Vestir-me-ia de estrelas a iluminar um céu noturno sem lua
ou seria um jardim com pernas a perfumar os esgotos das ruas
Em seus gastos e estragos trazem em si minha história e memória
que a ninguém revelo exceto a elas
Então por que as desprezo sempre em busca de outras novas?
O que pensam as roupas que costumeiramente não uso?
O cemitério dos vestuários são os cabides e as araras
de um brechó qualquer que não visito nem nos dias de finados
Triste o destino esse das roupas e dos trajes
que sem seus donos são apenas pedaços coloridos de panos