O GUARDA-ROUPAS

O que pensam as roupas que costumeiramente não uso?

Sentem elas a saudade do suor do meu corpo

a lhes dar formas, contornos e serventias?

O que será que conversam na fundura

escura e silenciosa dos armários hoje embutidos?

Deve ser sobre nossos últimos passeios

como recém-enamorados colados um ao outro

ou como elas foram excluídas das camas

a escutar gemidos, sussurros e rangidos

que vêm dos rumores das genitálias e das bocas

O pudor das vestes encobre nossas ocultas indecências

As roupas até mesmo as menos íntimas vestem o homem

e dialogam comigo no tato da pele com a textura dos tecidos

Ah se eu pudesse mudar a vida como quem muda de roupa

Vestir-me-ia de estrelas a iluminar um céu noturno sem lua

ou seria um jardim com pernas a perfumar os esgotos das ruas

Em seus gastos e estragos trazem em si minha história e memória

que a ninguém revelo exceto a elas

Então por que as desprezo sempre em busca de outras novas?

O que pensam as roupas que costumeiramente não uso?

O cemitério dos vestuários são os cabides e as araras

de um brechó qualquer que não visito nem nos dias de finados

Triste o destino esse das roupas e dos trajes

que sem seus donos são apenas pedaços coloridos de panos

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 28/05/2022
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