A LÍNGUA
A língua é um bom prato
O prato, um bom texto,
O texto, um bom gosto.
Mas que língua degusto
Sobre o prato
Na hora do texto?
Já saboreei a língua do boi
Que assanhou a gravidez de Catirina
E deixou Pai Francisco em maus lençóis.
Temperei a língua da poesia ao molho pardo
das minhas metáforas
E cozi a língua
Que virou
“última flor do Lácio
inculta e bela”, do poeta e de meus avós.
Já suguei a língua que esteve enroscada à minha,
Atrás da via láctea de cuspe
No céu da minha boca.
Experimentei a língua de sogra
sem a ternura das festas de aniversário.
E quis sentir o sabor da ociosidade ingênua
E apenada da língua dos surdos-mudos.
Que não me queira mal minha vizinha,
Mas sua língua ferina não comerei no jantar.
Ela, com sua língua de trapo,
Dá com a língua nos dentes sem ser poliglota.
Tem a língua afiada, a língua comprida, a língua de palmo.
Nem um banho de língua lava a língua suja dos maldosos
Porque essa é a língua maior que o corpo
E que faz qualquer um cair na língua do povo
Por isso é que, no amontoado de línguas,
Criou-se a torre de babel.
Por isso, é preciso dobrar a língua
Pra falar a língua
Pois a língua é um bom prato
O prato, um bom texto,
O texto, um bom gosto.
E é por causa da língua que
Boto a boca no mundo.