ESPELHO, ESPELHO MEU

Hoje acordei com um oco na alma

olho para o espelho da infância

e não consigo ver minha imagem

O espelho não me reflete nada

embora sei que estou ali

com as mesmas lembranças que guardei

para com elas chegar até aqui onde cheguei

Estou no meu primitivo ontem

sem rosto, sem fronte, sem face

- nem das mãos me lembro

ou das unhas roídas

no isolamento dos quartos fechados

Ao redor de mim em meu passado

convivo com contornos de vultos e fantasmas

mas não me recordo de suas meias

sobrancelhas, narizes ou sapatos

Minhas recordações não são feitas de retratos

porém de afetos escritos nas paredes

deste úmido cômodo denominado memória

Lembro-me saudoso da infância

dos brinquedos, dos amigos,

dos parques, das bicicletas e das praias

no entanto, ao contrário de ti, Cecília,

em nenhum espelho ficaram

grudados os meus cenhos e minhas máscaras

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 18/05/2022
Reeditado em 18/05/2022
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