ESPELHO, ESPELHO MEU
Hoje acordei com um oco na alma
olho para o espelho da infância
e não consigo ver minha imagem
O espelho não me reflete nada
embora sei que estou ali
com as mesmas lembranças que guardei
para com elas chegar até aqui onde cheguei
Estou no meu primitivo ontem
sem rosto, sem fronte, sem face
- nem das mãos me lembro
ou das unhas roídas
no isolamento dos quartos fechados
Ao redor de mim em meu passado
convivo com contornos de vultos e fantasmas
mas não me recordo de suas meias
sobrancelhas, narizes ou sapatos
Minhas recordações não são feitas de retratos
porém de afetos escritos nas paredes
deste úmido cômodo denominado memória
Lembro-me saudoso da infância
dos brinquedos, dos amigos,
dos parques, das bicicletas e das praias
no entanto, ao contrário de ti, Cecília,
em nenhum espelho ficaram
grudados os meus cenhos e minhas máscaras