NO INTERSTÍCIO DAS HORAS...(já não há mais espaço)
Olho as inscrições e as incrustações do entorno.
O relógio gira e a poesia me murmura que
Já não há mais espaços.
Os muros estão lotados, os corpos amputados de ser.
As calçadas agonizam de dores alheias, de toda a não sorte fomentada.
Não vejo mais espaços.
Zumbis se trombam amontoados dentre a fumaça da ilusão de fugir.
"vende-se a alma"...
li, metafisicamente num sopro, logo ali num anúncio sem fé.
Porque nada mais restou para ser vendido e comprado.
Não há mais espaços para tantas negociações dos vazios que lotam as fartas indecências.
Negociantes leiloam as almas por eles furtadas, tão etéreas quanto as vidas sem espaço.
Vi na tela que um nonagenário escultor de ciprestes chorou ao vê-los enferrujados ao relento.
No jardim pareciam ser só seus...como o legado duma obra prima esquecida pelo tempo.
Mas...
Não há mais ninguém para podar a força dos sonhos...
Às gerações futuras não se moldou espaços de existir depois de não semeadas as frágeis sementes das urgências.
Soube que a menina pulou da janela...tão jovem, tão linda...
Mas eu senti que já não lhe havia mais espaço ao sentido. Da dor que ninguém vê.
Os tantos quadros enfileirados, aguardam a vez que nunca chega.
Posto que já não há paredes livres, embora seja vigente a urgência de se trocar as fragilizadas cordas de sustentação.
Urge se romper as molduras herméticas -mas já craqueladas - das cenas idas que ficaram...mas, em qual espaço?
Um comercial anuncia, gratuitamente, "posters" com "a intensidade das cores de Van Gogh".
Mas, Deus! Aonde lançá-las?
Se já não há mais espaço para as cores sépia, tampouco às formas invisíveis dos tantos desesperos...
Que fosse permitido...tão somente caiar as paredes emboloradas sob as horas
para repintar as cores dum sorriso de criança encantada.
Aonde?
O pulso é tênue.
Mas... já não há mais espaço de fluxo.
O tempo, furtivo e faminto, desordenadamente ocupa a todo ele.
Mas...a tragédia das gentes sempre canta o lamento da poesia adversativa...
enquanto os quadros incrustados nas dores aguardam pelo legado da restauração das suas cores.
Então,
Talvez ainda haja pincéis que, a despeito da temática dos relógios, ainda operem milagres pelos interstícios das horas.