A RODA DO TEMPO

Os vidros das janelas estão manchados de ontem

a empoeirar os móveis e os objetos da sala

como uma fina névoa acumulada de passados

Tudo ao redor parece roído pelo consumo dos minutos

no extinguir vaporoso da tarde

que ruma conformada ao final do dia

que amanhã borrará ainda mais

as vidraças já tão sujas e maculadas

Se o Sol soubesse das horas

amanheceria atrasado e demorado

apenas para se pôr depois da noite

e um pouco antes da próxima madrugada

Mas o Universo é analfabeto do tempo

e o tempo que não usa relógios

é como um ácido invisível

que derrete metais e plásticos

dissolve cálcios, madeiras e tecidos

deixando somente para trás

o amarelecido carcomido dos restantes vitrais

E assim tudo aos poucos vem e se vai

o Sol, as manhãs e as tardes

e o que sempre fica nos seus lugares

é essa noite escura de estrelas caducas

a escutar o choro infantil das maternidades

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 11/05/2022
Reeditado em 11/05/2022
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