POST MORTEM

Não há além depois de mim

e minha alma é tão recente quanto eu

Já são tantas e tamanhas as ardências

que trago no peito e no pulsar das veias

o que nenhum inferno me há de ter reservado

Ninguém me esperará depois de mim

sequer meus mortos ou minhas lembranças

pois no despejado azul do céu

não habitam anjos ou querubins

apenas pássaros que voam

indiferentes e alheios

à romaria terrena dos homens vagos

São muitos os abandonados

assim como muitos abandonarei

mas quando nada mais restar

exceto a mudez das minhas memórias

e o vácuo geométrico da ausência

estarei quem sabe escondido

do meu rosto e da minha face

em um lugar que não existe

a não ser na exaustão dos sonhos

jamais consumados

E por fim

quando o fim vier

no fechar derradeiro das pálpebras

não haverá o encerrar de cortinas

nem o silenciar surdo dos aplausos

mas tão somente e apenas

o fechar deste rápido e estreito parêntesis

por onde pequeno transitei

Não há além depois de mim

e a vida é tão precoce quanto eu

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 09/05/2022
Reeditado em 09/05/2022
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