O DESTINO DOS MEUS LEGADOS

O que será do cricri dos grilos

do coaxar dos sapos

e o cantar das cigarras

quando eu não mais existir?

Quem apreciará o balé suave das nuvens

a roçar o azulado céu em seu caminhar

ao ilimitado oculto dos horizontes

quando eu não estiver mais aqui?

Qual o destino dos óculos

quando perderem a serventia dos olhos

e às noites na cabeceira da cama

não puderem velar o sono ausente de mim?

O que acontecerá com os sentimentos dos retratos

em suas orfandades alongadas

e para onde irão meus sapatos gastos

se ninguém quiser mais calçá-los?

Quem tomará as cervejas que não beberei

quem lerá os livros que não decifrarei

quem encostará nos lábios abandonados

e sussurrará aos ouvidos gemidos que não os meus?

Alguém herdará minhas saudades remotas

os mortos desenterrados da memória

e este repentino e breve relato

de quem não marcará nenhum livro de História?

Quero em meu sarcófago ser enterrado

com meu mundo acompanhado

e sermos juntos mumificados à espera

de um dia reencontrar o paraíso perdido

em que fiquei na infância...

... depois de mim esquecida

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 08/05/2022
Reeditado em 08/05/2022
Código do texto: T7512019
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