O DESTINO DOS MEUS LEGADOS
O que será do cricri dos grilos
do coaxar dos sapos
e o cantar das cigarras
quando eu não mais existir?
Quem apreciará o balé suave das nuvens
a roçar o azulado céu em seu caminhar
ao ilimitado oculto dos horizontes
quando eu não estiver mais aqui?
Qual o destino dos óculos
quando perderem a serventia dos olhos
e às noites na cabeceira da cama
não puderem velar o sono ausente de mim?
O que acontecerá com os sentimentos dos retratos
em suas orfandades alongadas
e para onde irão meus sapatos gastos
se ninguém quiser mais calçá-los?
Quem tomará as cervejas que não beberei
quem lerá os livros que não decifrarei
quem encostará nos lábios abandonados
e sussurrará aos ouvidos gemidos que não os meus?
Alguém herdará minhas saudades remotas
os mortos desenterrados da memória
e este repentino e breve relato
de quem não marcará nenhum livro de História?
Quero em meu sarcófago ser enterrado
com meu mundo acompanhado
e sermos juntos mumificados à espera
de um dia reencontrar o paraíso perdido
em que fiquei na infância...
... depois de mim esquecida