DA ALMA

Minha alma não fala os dialetos dos homens

mas a língua dos deuses

e já me habitava muito antes do menino

e continuará muito além depois do velho

Da minha alma

só conheço a superfície

que se oculta por detrás

do rosto e debaixo da pele

salpicada de pequenas manchas senis

Enquanto rastejo

ela delira e voa

Enquanto me seguro

ela se desgarra e pula

Enquanto me assombro e choro

ela gargalha e me despreza

Enquanto me sacio de migalhas

ela tem a fome de Ícaro e dos infinitos

Minha alma se apresenta

nos sonhos dos sonos esquecidos

e a tudo que a mim me é vedado

nos porões escuros da memória

e no caos que já existia

antes de algum princípio

predicado ou verbo

O que minha alma detesta e não suporta

são espelhos e o desaparecendo do corpo

neste sumiço lamentoso do tempo

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Originariamente publicado no livro A VIDA COMO UM ESPANTO: inventário de um existir humano (2022), editado pela Editora Labrador (SP)

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 06/05/2022
Reeditado em 06/05/2022
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