O CICLO DA VIDA
Da infância trago
a capacidade do assombro
o jeito brincante
a curiosidade bisbilhoteira
a ousadia menina
e a solidão de filho único
Da puberdade herdei
a introversão pensante
os arroubos e os arrebatamentos
agora desencarnados
assim como o tamanho do pé
e o número do meu calçado
Da juventude conservo
a rebeldia obstinada
a indocilidade travessa
a chama olímpica pela procura
a insatisfação motivante
o amanhã distante
e a esposa com quem me casei
Da maturidade prossigo
lendo livros que ainda não li
reverenciado meus sumidos
me assossegando de serotoninas
e confessando os pecados necessários
que me tornaram naquilo que me tornei
Da velhice aguardo
o neto crescer
reler os livros que já li
conversar com meus pais
contemplar crianças brincando
vadiar com a memória sentado
e ter a consciência e a certeza
de que tudo passa lá para trás
e que nem o ontem me é para sempre
Quando eu morrer
vou me visitar no cemitério
no dia reservado aos finados