Ensino Remoto
Me sento em frente ao computador
Te ouço falar sobre a fosforilação da glicose
Me lembro do povo com fome lá fora
Volto a te ouvir, agora sobre outro assunto
Falas tão animadamente sobre o polígono de Willis
Me lembro das famílias expropriadas pela PM em outro bairro da cidade
Tua voz aumenta,
Parece haver tambores rufando ao fundo
No clímax, te olho e com brilho nos olhos me falas sobre os forames ovais
Me lembro dos trabalhadores amontoados no transporte coletivo durante a pandemia
É demais! Não consigo continuar te ouvindo
O que há de errado comigo?
Há algo de errado comigo?
Minha vontade é de arrancar o computador da tomada
Por sorte, tenho o papel
Não sei como, nem porque
Mas ele consegue subverter
Minha solidão em companhia
Minha tristeza em revolta
Minhas dores em ações
Minhas perguntas em respostas
Talvez seja isso que nos falte,
Materializar as indignações, dar nome aos problemas
Ah, medicina!
Um dia ainda serás outra
Não do eu para o eu,
Mas do nós para o nós.