ANGERE

Procuro a palavra mais certa

para descrever o que em mim

se passa indefinido por dentro

Já remexi meus léxicos e glossários

vasculhei todas as bibliotecas

até mesmo a da Babilônia

Dissequei o dicionário de Oxford

e o Caldas Aulete da minha infância

Li dezenas de línguas

e centenas de dialetos e idiomas

mas em nenhum deles achei

qualquer verbete ou vocábulo

que me traduzisse em uma palavra

o que se passa impreciso por dentro

Um sentimento que se sente sem palavras

não se deve chamar de sentimento

mas que nome então se pode dar

a essa coisa inclusa, vaga e inominada

que nem sequer ainda foi batizada

e me aperta e me mexe inteiro por dentro

Isto que trago há mais de um século

não tem para mim nenhum sentido

porém me estrangula em sufocamentos

me revira o estômago e estilhaça

meu delicado coração por dentro

Hoje sei que a vida tem perigos

ameaças, aflições e riscos

contudo mesmo assim sigo em frente

carregando intimamente este troço

que todo dia amanhece comigo

e quando adormeço se esconde

com medo dos meus sonhos

e de todos os demais encantamentos

Talvez não exista palavra exata

o que em mim se encontra profano

sem identidade, epiteto ou nome

e que acaso um dia passe

será por em mim sepultado

em uma cova rasa da memória

onde ficam as lembranças mortas

as atrofiadas e as anônimas

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 31/03/2022
Reeditado em 31/03/2022
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