ANGERE
Procuro a palavra mais certa
para descrever o que em mim
se passa indefinido por dentro
Já remexi meus léxicos e glossários
vasculhei todas as bibliotecas
até mesmo a da Babilônia
Dissequei o dicionário de Oxford
e o Caldas Aulete da minha infância
Li dezenas de línguas
e centenas de dialetos e idiomas
mas em nenhum deles achei
qualquer verbete ou vocábulo
que me traduzisse em uma palavra
o que se passa impreciso por dentro
Um sentimento que se sente sem palavras
não se deve chamar de sentimento
mas que nome então se pode dar
a essa coisa inclusa, vaga e inominada
que nem sequer ainda foi batizada
e me aperta e me mexe inteiro por dentro
Isto que trago há mais de um século
não tem para mim nenhum sentido
porém me estrangula em sufocamentos
me revira o estômago e estilhaça
meu delicado coração por dentro
Hoje sei que a vida tem perigos
ameaças, aflições e riscos
contudo mesmo assim sigo em frente
carregando intimamente este troço
que todo dia amanhece comigo
e quando adormeço se esconde
com medo dos meus sonhos
e de todos os demais encantamentos
Talvez não exista palavra exata
o que em mim se encontra profano
sem identidade, epiteto ou nome
e que acaso um dia passe
será por em mim sepultado
em uma cova rasa da memória
onde ficam as lembranças mortas
as atrofiadas e as anônimas