...CONTINUO LÁ

Não é pelas ruas da infância que ainda percorro

mas no atravessar do canto dos pardais

e no pisar das calçadas amareladas de oitis

Passeio pelos mesmos cantos e buracos novos

como se pedalando bicicletas e me desviando

das raízes das árvores que menino contornava

As casas de antes continuam sendo paisagens

resistindo ao mudar do mundo e dos transeuntes

embora nelas morem estranhos residentes

indiferentes aos fantasmas das famílias de ontem

que me povoam os espaços mais salgados da memória

Por aqui andei

como agora ando por sobre as pegadas apagadas

daquele miúdo garoto que então não sabia

que além das fronteiras daquela quadra

havia territórios a serem ocupados

e cemitérios que até lá nunca foram visitados

Não preciso das madeleines para de mim ser lembrado

já vivo em meu próprio sítio arqueológico de ossos

e nos dias de chuva ou de frio me dói a costela retirada

Ao contrário de Bandeira meu Recife não está morto

e a casa da minha avó continua infiltrada de eternidade

Pelas ruas da infância que ainda percorro

sopram-me aos ouvidos remanescentes de sonhos

que são para mim sobras da minha anterior imortalidade

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 30/03/2022
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