NEVERLAND

Vivo no relógio do meu pai

onde o tempo não passa

com suas horas apressadas

nem os ponteiros assinalam

o virar consumido dos dias

Nele brinco de criança sem cansar

como se vivesse numa Terra do Nunca

em que meu imortal menino

escapou de ser adulto amanhã

No relógio do meu pai

não coabitam vindouros

esses lugares em que o amanhecer

e o aclarar das noites

são sempre impregnados de ontem

No interior do relógio do meu pai

não se contam os minutos

não existem cemitérios

as roupas não crescem

e todos meus primos estavam lá

No Mido do meu pai

o Universo não era digital

e se movia redondo e animado

que nem um pião alegre e brejeiro

puxado e liberto das suas cordas

Naquele relógio do meu pai

minha infância corria entre os números

que iam de um a doze

com a rapidez dos milênios

enquanto o eterno e o imutável

eram simplesmente infindáveis

O relógio do meu pai

parou no dia em que ele morreu

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 29/03/2022
Código do texto: T7483364
Classificação de conteúdo: seguro