DE JOÃO, PEDRA, SEVERINA E A FACA
Um homem das letras João
Cabral de Melo Neto entrou
Nas brumas do inconsciente e
Bramou bravo episódio da vida
Bruta em poema tenso, negro
Real, sobrenatural e inquieto.
Na luta destino lavrador Severino
Desfiou-se rústico rosário de
Dor vivida sofrida alma penada
E mesmo que viva era morta
Sobre a seca terra que lavrava
Com enxada idílico fadário
Severino era a figura concreta
Saída da seca mente inquieta
Do João triste que se fez poeta
Pensador cruel da triste história
Infame e inglória trajetória
Denúncia pronta somente.
Cabral que de uma lâmina só
Faca sentiu afiada imaginação
Fluída e sólida rima de espinhos
Rasgando espírito que estéril
É bainha para versos sempre frios
Segurando no solo idéia alada.
Qual poeta procurou compor
Palavras pesadas puras pedras
Que pesa na alma como fina faca
Cortando o lirismo plangente ?
Só João poderia sê-lo e, entretanto
Afiar a dor de letras bem amadas.
Dos poemas de Cabral apesar de
Mostrar-se duro como morte
Severina feita para faca bainha
Fica claro nas entrelinhas fonte
De vida jorrando entre as pedras
Puras indicando para o futuro.