SAPATOS VELHOS

Em que lugares ainda me levarão meus sapatos?

eles que me trouxeram até aqui

eu que nem bem sei como cá cheguei

As calçadas em que eles pisam

já não têm as iguais pedras

que sustentaram meus antepassados

e os caminhos embora levem à mesma praça

as crianças nela há muito já são outras

Os sapatos conhecem todos meus aperreios

e a agitação agoniada das pernas

Aqui em cima em que carrego a máscara

não sabem o íntimo dos espelhos

o que tenho guardado embaixo nos calçados

Meus sapatos de tão gastos jamais viram sapateiro

prefiro-os assim: puídos, amassados e surrados

não se deve camuflar a velhice dos agasalhos

que hospedam no calor dos seus couros

meus calos tantas vezes machucados

Dos meus percursos conhecem os sapatos

inclusive das minhas mais secretas pisadas

dos encharcados e esburacados aos enlameados

- minha mãe nunca me deixou andar descalço

Ah! do que sabem meus sapatos

nem aos confessionários revelo

Os sapatos velhos se amoldaram aos meus pés

ou será que foram eles que me fizeram?

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 12/03/2022
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