SAPATOS VELHOS
Em que lugares ainda me levarão meus sapatos?
eles que me trouxeram até aqui
eu que nem bem sei como cá cheguei
As calçadas em que eles pisam
já não têm as iguais pedras
que sustentaram meus antepassados
e os caminhos embora levem à mesma praça
as crianças nela há muito já são outras
Os sapatos conhecem todos meus aperreios
e a agitação agoniada das pernas
Aqui em cima em que carrego a máscara
não sabem o íntimo dos espelhos
o que tenho guardado embaixo nos calçados
Meus sapatos de tão gastos jamais viram sapateiro
prefiro-os assim: puídos, amassados e surrados
não se deve camuflar a velhice dos agasalhos
que hospedam no calor dos seus couros
meus calos tantas vezes machucados
Dos meus percursos conhecem os sapatos
inclusive das minhas mais secretas pisadas
dos encharcados e esburacados aos enlameados
- minha mãe nunca me deixou andar descalço
Ah! do que sabem meus sapatos
nem aos confessionários revelo
Os sapatos velhos se amoldaram aos meus pés
ou será que foram eles que me fizeram?