MIL PERDÕES
Perdão tem gosto azedo, emburrado, desaforado.
Desce garganta abaixo esbravejando, socando o ar,
reclamando da vida toda vida.
Perdoar exige sangue de barata,
exige salvo-conduto, exige alma dura,
sagaz, calejada e sábia.
Mas tem aquele perdão placebo, café-com-leite,
da boca pra fora, soberbo, pífio.
Mas tem aquele perdão fogo-de-palha,
mordido pela vingança, pela dor-de-cotovelo,
e nada mais.
Mas tem aquele perdão dublado, farsante, dissimulado.
Mas tem aquele outro que você conhece tão bem e guarda só pra si.
E tem o perdão-raiz, de peito armado, de cara limpa,
que escancara suas veias, que desnuda todas intenções,
todos propósitos, todos poréns, todos ventos contra.
É aquele que faz Deus chorar de tamanha satisfação,
tamanha alegria, tamanha razão de existir.