IARA VIEIRA E TÂNIA MENESES, DUAS AMANTES DA POESIA _em dueto_

T-E se Deus não estiver me esperando do outro lado

I_Deus está lhe esperando lá fora

Roupas estranhas O encobrem

Um manto vermelho

Um olhar ausente

Um sorriso irônico

T_Se não me der a mão para me puxar dos vermes, do pó

Se não ve der outra vida e

se não for à porta do meu sepulcro dizer

Levanta-te e anda

I_Tu não és Lázaro. Tu és Tânia, imagem solta no tempo e no espaço.

Teu nome é memória.

T_Se me deixar lá dentro

no útero fértil da terra

sufocada

pisada

abandonada

I_Todo homem é mortal

T_Ou será que os bichos de minha carne

transformar-se-ão em plantinhas baloiçantes

ao sol de uma manhã de domingo

em um cemitério cheio de flores

lágrimas

velhos

I_Sáurios, culicídeos, helmintos, gusanos e oligoquetos

T_E nem ao menos uma criança!

I_Não vê meu pirulito, meu brinquedo na mão, meu olhar brejeiro

T_É muito triste ir dormir

entregar-se assim

de um modo cômodo e safado

a uma cama traidora

I_Triste é ausentar-se

é fugir de si

é não procurar

bem-aventurados aqueles que se entregam!

T_ao sono

amante assassino

tóxico

com efeito de oito horas

I_O sono

sublimação

cama do consciente

estofo dos sentidos

T_Ah, grande bandido

poço de cores

de sonhos

de imagens

Noite imbecil!

I_Não culpe a noite! Ela é o lençol onde tu te aqueces

quando a cidade dorme

T_Encarregada de nos arrancar o amanhã

Glutona, vampira, devoradora de hojes

I_Clemência! Clemência!

T_Para viver sempre indiferente

bela

vestida de luz e veludo

entre o negro cintilante e o azul descaradamente encantador

I_A noite

inclina-se

sobre o dia nu o veste com seu manto fofo

T_Eu vou,

amiga criminosa

vou porque é o jeito

e você

onipotente

magnífica

compacta

fica na indiferença de seus anos-luz

rapariga dos astronautas

bacanal de viagens siderais

I_Teu universo se reduz a um ventre!

T_O tropel

os cavaleiros

as cornetas

o barulho ensurdecedor

I_Visões oníricas

nubladas

fogo, espadas

corpos em recomposição

olhos estupefarregalados

gritos

queixas

lamúrias

misericórdias

no ar

trilhões, sim,

trilhões de materiais pensantes

em agonia

e a opulência

saboreando o gosto excêntrico

do êxtase

Alienados!

por acaso a noite não está também

engravidando com os teus dias

T_Oh, pensei-a estéril

parindo sem cessar

uma prole de noites

I_Uma delas te engolirá e

sem o vermelho que amas

hás de ficar aterrada

T_Sem o vermelho não sou

I_ Mas, vá,

vá, mente insana

eu ficarei com as cores do amanhecer

T_Com o meu vermelho, não!

É só meu, meu!

Hoje não vou me deitar

nem dormir de pé

simplesmente

não vou dormir

ficarei em qualquer lugar

I_Espectros! Sombras! Sonânbulos!

T_Se eu sair caminhando

em busca do dia

você, miserável sarcástica,

chegará primeiro

ao Oriente , para me esperar

I_Dia é noite

Noite é dia

T_Eu quero o céu

quero meu céu que aprendi

cheio

de

safiras, topázios, ametistas, rubis

I_Queres o mundo mineral

o mundo orgênico

o nada

o tudo

T_Quero os tronos

os leões

a luz intensa

os anjos louros

altos

fortes

vingadores

quero antes o Apocalipse

I_Obscurantismo!

T_Não! Não, Senhor,

não me leve ainda

primeiro o Apocalipse

I_Revelações

Messianismos

Sebastianismos e todos os ismos, devore-os!

T_CADÊ DEUS?

Deeeeeeeeeeeeeuuuuuuuuuuuussssssssssss!

Deeeeeeeeeeeeeeeeeeeuuuuuuuuuuuuuuuusssssssssssss!

I_Desvairada! É com seus berros que pretendes alcançar Sua graça?

T_Pelo amor de Deus

me dá

Tua

mão

me espera

I_Dou, dou, dou, não dou

Dou, dou, dou, não dou

que eu não sou ninguém de dar

T_O Céu se abrindo

e

CRISTO

O Juízo Final

I_Teu julgamento...

T_Quero ser esmagada, triturada no ar

pelo mais possante braço

de um dos Quatro

I_Amor só é bom se doer, vai

T_Que mil raios me partam!

relâmpago

trovão

I_Onde?

T_Tudo, menos o "Tu é pó e a ele haverás de tornar"

Obs.: Este dueto poético foi elaborado em dois momentos distintos. No primeiro momento, produzi um poema cujos versos são os correspondentes à letra T (Tânia), O segundo momento foi quando a poeta Iara Vieira, ao ler o poema em sua forma inicial, resolveu manter um diálogo com ele. A poeta sergipana Iara Vieira é falecida. Com a publicação deste poema presto mais uma homenagem àquela que foi minha colega no curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe e uma das mais importantes poetas da moderna literatura.