LASTRO FELIZ
Então a alma se vou amotinada,
transbordada de medos,
incrustrada de dor.
Era alma de gênese bonito,
repleta de recantos floridos, afortunados,
entulhada de certezas e quero-mais.
Seus chãos resplandeciam de cheiros ternos,
de voos bem paridos,
de lastros bem escolhidos.
Mas estava numa deriva alucinada,
perdida nos seus próprios vãos,
encardida no que tinha de mais sagrado,
de mais abençoado, de mais querido.
Deus vendo aquela alma em pandarecos,
sentiu um misto de pena e de raiva,
sentiu um misto de angústia e ardor.
Então catou aquela alma emburrada, destroçada,
e a trouxe pra dentro de Si.
E a colocou onde guardava seus mimos,
seus trecos prediletos, suas mais queridas poções.
Daí a alma começou a esquecer seus desmazelos,
suas andanças tontas, seus engasgos infernais.
Daí, pouco a pouco, se refez afago, se refez alento,
se refez lastro feliz.
Como nunca deveria ter deixado de ser.