O GATO DE DONA FRANCISCA
Junto da casa da minha avó
Dona Francisca tinha um gato siamês
gordo, branco e de pelos curtos
com imensos olhos de azuis fundos
como se fossem duas safiras
feitos devem ser os olhos dos anjos que nos guardam
O gato de Dona Francisca
passava as tardes na janela
estirado sobre suas patas domésticas
observando as crianças brincarem na rua
e os velhos conversando nas calçadas
Parecia ver o tempo lento passar
mas gatos não sabem ler relógios
nem que data é o dia de hoje
(gatos não carecem de números
embora sete sejam suas eternidades)
Tinha medo do gato de Dona Francisca
nunca sabia o que ele estava pensando
talvez me achasse tão apetitoso
tal qual lhe são os desejados ratos
O gato de Dona Francisca não fazia
coisa nenhuma ou absolutamente nada
apenas espreitava fixo o entardecer
como se aguardasse caviloso a madrugada
Os felinos não sabem, mas também eles
atravessam a vida nas janelas
nas poltronas, nos sofás e nos telhados
até que as tardes desapareçam
e ele se mudem para o sótão da minha avó
pois é lá que na minha infância,
era o lugar onde morava o paraíso dos gatos
Não gostava de dormir na casa da minha avó
achava os quartos mal-assombrados
e toda vez um pouco antes das pálpebras hibernarem
ouvia vindo de cima o miar manhoso dos gatos
Hoje a casa da minha avó já não existe
derrubaram-na para alargar a rua
onde antes vivia o gato de Dona Francisca
com seus imensos olhos de azuis fundos
feitos devem ser os olhos dos anjos que nos guardam
Para que céu foi o céu dos gatos?