O GATO DE DONA FRANCISCA

Junto da casa da minha avó

Dona Francisca tinha um gato siamês

gordo, branco e de pelos curtos

com imensos olhos de azuis fundos

como se fossem duas safiras

feitos devem ser os olhos dos anjos que nos guardam

O gato de Dona Francisca

passava as tardes na janela

estirado sobre suas patas domésticas

observando as crianças brincarem na rua

e os velhos conversando nas calçadas

Parecia ver o tempo lento passar

mas gatos não sabem ler relógios

nem que data é o dia de hoje

(gatos não carecem de números

embora sete sejam suas eternidades)

Tinha medo do gato de Dona Francisca

nunca sabia o que ele estava pensando

talvez me achasse tão apetitoso

tal qual lhe são os desejados ratos

O gato de Dona Francisca não fazia

coisa nenhuma ou absolutamente nada

apenas espreitava fixo o entardecer

como se aguardasse caviloso a madrugada

Os felinos não sabem, mas também eles

atravessam a vida nas janelas

nas poltronas, nos sofás e nos telhados

até que as tardes desapareçam

e ele se mudem para o sótão da minha avó

pois é lá que na minha infância,

era o lugar onde morava o paraíso dos gatos

Não gostava de dormir na casa da minha avó

achava os quartos mal-assombrados

e toda vez um pouco antes das pálpebras hibernarem

ouvia vindo de cima o miar manhoso dos gatos

Hoje a casa da minha avó já não existe

derrubaram-na para alargar a rua

onde antes vivia o gato de Dona Francisca

com seus imensos olhos de azuis fundos

feitos devem ser os olhos dos anjos que nos guardam

Para que céu foi o céu dos gatos?

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 22/02/2022
Código do texto: T7458147
Classificação de conteúdo: seguro