Sabiá
Pousa numa antena de TV,
ante o arrebol que se pronuncia no horizonte,
um sabiá.
Tem nome opulento o sabiá,
tem nome e sobrenome,
Turdus amaurochalinus,
mas isso ele ignora,
e isso não faz dele nem menos
nem mais do que é; Sabiá.
Esse negócio de nomear tudo é coisa de homem,
que ao nomear tudo de tudo se apossa,
nomeia dinossauros que existiram a milhões de anos,
nomeia uma cratera na lua,
nomeia um monte em Marte.
Mas voltemos ao nosso sabiá.
Do alto da antena ele brada seu canto de sabiá ao mundo,
com todo o ímpeto de seu pequeno peito de sabiá,
canta por princípio,
canta por ofício,
ele canta sua ancestralidade,
canta a resistência,
canta a esperança,
canta por que cantar é o que faz de melhor.
Ele desconhece que alguém o observa duma janela qualquer.
Observa-o com os olhos,
com os ouvidos,
com o coração.
E seu canto toca esse coração
um tanto tolo,
um tanto mole,
um tanto humano.
Repentinamente uma lufada de vento o atinge,
eriça-lhe as penas,
instigando-o a se precipitar antena abaixo,
lança um último canto,
agita efusivamente as asas
e se joga pra liberdade,
voa e leva seu canto consigo.
Vá sabiá,
vá levar seu canto a outros corações,
um tanto tolos,
um tanto moles,
um tanto humanos,
um tanto raros.
Eu fico aqui da janela
a invejar a beleza de seu canto
e a liberdade do seu voo.