Saudosismo
Juntei os cacos do espelho que se quebrara
em mim e sem temer os ditos sete anos de azar, sorri.
Era tênue a luz do fim de mais uma tarde
de verão.
O balanço, que há tempos não embalava ninguém, banhado por uma luz dourada
era lentamente acalentado, agora vazio,
por uma brisa lânguida que soprava displicente.
Sob as copas dos oitizeiros da rua, retalhos de sombras derramavam-se pelo chão.
Pardais banhavam-se nas poças de areias como se nada mais importasse.
O cotidiano ia silenciando aos poucos.
O asfalto da rua esfriava paulatinamente.
Não era o momento de chorar, ser forte
fazia-se mais necessário.
O caminho já não era mais o ordinário
O atalho desconhecido fizera-se obrigatório.
No poço a roldana dos meus sonhos cantava,
era a canção da sede, dos sonhos a esperar,
das perspectivas, do ópio.
Mas volta e meia o balde voltava seco.
Deixem-na em paz, o pio da coruja nada mais é que só um pio.
O mau agouro habita é o coração do homem,
isso sim.
Temos todos o direito sagrado a vida.
O portão bateu, uma batida seca e forte,
no mesmo compasso do meu intrépido,
mas ressequido, coração.
Na pia a louça de dias esperava para ser purificada, tal minha alma
de seus pecados.
O sal tornava meu sorriso salobro,
canalizadas pelos vincos do meu rosto
as lágrimas irrigavam minhas faces, escorriam para os lábios.
Busquei-me no baú de meus tesouros guardados, meus frágeis
e insignificantes tesouros de menino.
Seu fantasma vagava pelo quintal,
fosse sob céu constelado ou tempestuoso.
Seu olhar binoculado, mas já turvo pelo tempo, procurava uma silhueta que lhe amainasse o semblante.
Os brinquedos eram outros,
outras eram as relações.
As brincadeiras eram reais, tácitas,
o toque era assíduo,
o era também o abraço,
o aperto de mão,
o olhar.
Eram tempos de vivacidade.
Porém o candeeiro apagou-se.
Restaram as lembranças saborosas
dos bons tempos idos, dos pães caseiros
sovados pela força dos nossos braços,cozidos em nossos fornos de barro.
Pelo café manufaturado por nossas próprias mãos,
Colhido, torrado, moído e coado,
pelas mesmas mãos que levam a xícara a boca.
Das brincadeiras que nos interagia,
que nos dispunha a olharmos nos olhos.
De conversas sem o intermédio de telas.
De nos tocarmos além do touch screen.
Diviso lá adiante um anjo coxo e taciturno,
perambulando pelas ruas desertas, esgueirando-se pela noite escura,
Quiçá seja ele o benfazejo anjo da esperança a alumiar as almas humanas para que tomem o caminho do despertar da alienação,
retomem o caminho do encontro integral das almas, dos choques cataclísmicos dos olhares, da humanidade perdida.