Reflexão ao entardecer

Sento-me diante da minha figura perplexa consigo,

perscruto os espelhos profundos de meus olhos desiludidos

procuro pelo menino que um dia se perdeu.

O tempo -feito o vento que carcome a rocha- transformou-me.

Frente a frente comigo

tento desnudar-me da pele morta

romper a velha crisálida

para libertar meu interior

preso sob os escombros de uma vida de batalhas.

Lembro do tempo que pensava ser imortal,

imortalidade pela qual – mesmo que possível- não anseio mais.

Agora...

que morreram meus cães

que partiu meu amor

que se foram os amigos

que me tornei órfão

que os filhos voaram.

Doravante, louvarei a finitude

pela qual ansiarei.

Percebo frustrado que vivi uma eterna véspera...

das mulheres que não amei

dos vinhos que não provei

das loucuras que não cometi

dos lugares que não conheci

das aventuras que não vivi

dum amanhã que nunca concretizou-se.

Olho para trás e enxergo por entre um cenário enevoado figuras fantasmagóricas

meio borradas, como pinturas mal feitas a guache.

Perdi meus dias a solucionar problemas,

deveria ter mandado à merda a matemática,

permitindo-me quebrar mais a cara

pra viver intensamente.

Como o vento leva as sementes do dente de leão,

o tempo levou meu vigor

minhas esperanças

meu riso e minha petulância.

Vejo o menino.

Ele está lá, perdido,

procurando por seus porquês,

grito a ele o que fazer,

o que não fazer, principalmente.

Mas ele não me ouve

está surdo

é teimoso.

Ah! Como se parece comigo esse menino.

Então choro,

tolamente choro.

As lembranças ferem como açoite...

Não alegra-me a manhã ensolarada.

Estou só.