NAQUELE TEMPO

Naquele tempo…

Era eu um fiozinho de água,

puro e indefeso,

não sabia da existência do mal.

Sem que eu esperasse,

fui arremessado

contra um muro de pedra.

Fiquei quebrado.

Eu sorvi cada gota derramada

e fui-me recompondo lentamente.

Naquele tempo…

Era então um riacho inconformado,

vivendo em dois mundos

completamente díspares.

Dois mundos, duas personalidades,

sem traço de união.

Num dos mundos

era tímido e amedrontado

no outro,

havia uma espiral de revolta,

desconforto e insurreição,

no qual participei ativamente.

Naquele tempo…

Era eu já um rio,

ao lado um vulcão

que eu tentava dominar

com uma capa de submissão.

Era difícil acalmar as chamas,

que me lambiam

provocando queimaduras graves.

Aguentei até que pude.

Naquele tempo…

Cheguei a ser um oceano,

versátil e profícuo,

sem falsos moralismos.

Não julguei e fui julgado

Não cobrei e fui cobrado

Amei e não fui amado.

Desenvencilhei-me

dos grilhões que me sufocavam.

Aparelhei as ondas

soltei o cabelo ao vento

e cavalguei-as sem bússola e sem tempo.

Unifiquei os dois mundos

e agora entendo quem sou

e por que sou como sou.

Se não tivesse passado

por aquilo que passei;

um fiozinho de água,

um riacho,

um rio,

um oceano,

hoje eu não seria

este pássaro livre e forte,

que sobrevoa mares e montanhas,

como quer e por onde quer.

Sou agaporni, periquito ou pardal,

jamais serei abutre

ou qualquer outra ave de rapina.

Somos nós que nos moldamos

segundo a nossa vontade

e consoante a matéria-prima que possuímos,

independentemente

daquilo que nos fizeram…

Venci, porque conquistei

a minha liberdade interior!

©Maria D. Reis

05/02/22

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 05/02/2022
Reeditado em 06/03/2022
Código do texto: T7445527
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