Às almas Madalenas

Os gemidos tão silentes

Leitos tépidos sem vida

Carnes frias e dormentes

De preguiça em plena lida

Os caminhos que eu tranço

Cada um tem o seu norte

Leito em leito, sem descanso

Todos vão à foz da morte

Tudo em má tribuna deu

E tais pedras não rejeitam,

Mas com quem lucrava eu,

Se estes santos não se deitam?

Teu olhar, tão mais ardente

Desejou a minha alma

Hoje em ti estou assente

Se quiseres, dá-me a Palma

Tantas mortes encerrava,

Todas elas expulsaste.

Eras Tu que eu esperava,

Foste Tu que me encontraste

Eu pensei que só julgavas

A este sal temia a lesma

Julgam mais os que eu amava

Não levanto mais a mesma

Nunca mais me dou ao vulto

Que, caçando, finge presa

Qual coelho mal oculto

Depois serpe de surpresa

Aos teus pés tudo o que sou

Restaurai-me o ancestral

Bom perfume, meu Senhor,

Pois sou pó e Tu austral

Sou do pó o que restou

Diluindo-se o carnal

Ao fugir do teu amor

Mas por fim vejo o final

Do que a terra não consome

Quem, difuso e pessoal,

Me conhece pelo nome;

O Amor tem forma tal

Sempre dado ao sacrifício,

Liturgia tão cruenta

Também nosso é este ofício

E sem Vós, quem cruz aguenta?

Caminhemos do início:

Exigir-se o alto Amor,

Enleado em tantos vícios,

Recusando qualquer dor?

É mais sábio olhar pra Cruz,

Ao exemplo que foi dado,

Mais que exemplo, o que faz jus

Do sofrermos ao teu lado

Mais que bronze, prata ou ouro,

Eu te vejo aí em cima

Mais que a serpe no desdouro

Sou escória e tu um imã

Tudo está de novo escuro

(...)

Não me toques, não o ouse,

Não és tu quem eu procuro

Venho atrás de quem me trouxe

Retiraram-me a pedra

Basilar; o fundamento,

E de novo a noite medra,

Sepultaram o firmamento!

Onde está o meu encanto?

(...)

Ó, és Tu, meu grande Mestre,

Repreenda meu espanto,

Mas é claro, Tu vieste

Nos amar por mais um tanto!

Mas de susto eu quase morro

Afogando-me no pranto

De existir sem teu socorro.

O que queres que eu te faça?

(...)

Sei, não posso eu tocar-te,

Mas o amor é sem disfarças

(...)

Espalhar por minha parte

Tudo isto que aqui vi,

Do Rabôni testemunha?

(...)

Nesse instante eu revivi

Da mulher a má alcunha

Quase não Te reconheço

Quase tudo eu abandono

Mas bem vejo agora o preço

Dessa compra, nosso Dono!

Bem se vê que nos amaste

Nestas chagas sem igual

— Onde o tolo vê contraste —

Nos amaste até o final!

(..)

Hoje estou de face erguida

Se Te levam, me desolas

Mas me basta esta ferida

Que és Tu, e Tu consolas

David Ariru
Enviado por David Ariru em 03/02/2022
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