Doce de mamão com leite

Minha avó de pé ante o fogão a lenha ,

a mexer com sua colher de pau o doce,

com seu lenço a cobrir-lhe a sabedoria

Seu avental a atribuir-lhe autoridade,

Para minha visão pueril,

Era uma feiticeira disfarçada de avó,

A preparar uma poção mágica

Em seu caldeirão encantado.

Ela jogava no seu caldeirão

Mamão, açúcar, cravo e leite

Mexia ritmicamente aquela receita infalível

Círculos perfeitos

Ora à esquerda

Ora à direita

Parecia balbuciar enquanto mexia

Algum feitiço secreto,

Pra mim era tudo um rito.

Vez ou outra me fitava e sorria

Eu, claro, retribuía.

O fogo crepitava,

Parecia falar com ela

Algum idioma perdido

Dos druidas, dos alquimistas.

E o doce ia ganhando forma

Ia apurando, decantando,

O fogo ia crepitando,

A colher de pau girando ,

Minha avó murmurando

Um feitiço ou oração.

Ah, aquele doce mágico ,

Morreu com ela ,

Nunca mais provei igual,

Por isso hoje tenho certeza ,

Minha avó não fazia doce

Ela cozia poesia.