Rezadeira

Desfiando ia a velha

a desfiar seu rosário,

desfiando ia.

E desfiando rezava

e rezando desfiava

as dores doídas da vida.

Desfiava e rezava ,

rezava e desfiava

e perpassava sua vida de desfiadora da existência,

de dores doidas.

Desfiava a orfandade prematura,

Desfiava o filho

que perdera prematuro de varíola,

Desfiava o marido

que a deixara viúva muito cedo,

Desfiava a labuta dura do serviço na roça,

Desfiava as colheitas perdida,

Pra seca , Pra geada, Pro excesso de chuva.

Desfiando ia a velha ,

A vida , as dores, as perdas

As rugas, o passado .

A cada ave-maria um desatino,

A cada santa- maria um martírio.

Desfiava e lembrava

E lembrando chorava

Suas lágrimas cristalinas

Que pareciam contas de rosário.

Desfiando ia a velha

a desfiar seu rosário

desfiando

Ia desfiando a vida que ruminando levava,

De dores perdidas doidas ,

Desfiava a vida que se ia perdendo

Qual rosário arrebentado

Que esparrama as contas

Que se perdem pela casa

E nunca mais se encontra.

Desfiando ia a velha

A desfiar seu rosário

Com seus dedos magros calejados

Desfiou e desfiou-se

Sem nem notar que o fizera.

Desfiando ia a velha

A desfiar seu rosário...

Amém.