QUEIMADAS
Os mortos continuam morrendo
no apagar gradual dos meus dias
Há os que já se foram afogados
pelas inundações do tempo
tossidos das lembranças como se fossem
resfriados ou fumaças exaladas dos cigarros
Deles apenas lembro que os esqueci
no silêncio do interior fundo da não-memória
aquele lugar sem rosto rumor ou nome
onde habitam os sumidos abandonados
deixando em seus sítios agora vagos
velhas covas esperando novos apossados
Em meus pretéritos mais antigos
não me cabem todos os finados
é preciso o cessar de alguns fios
para continuar fiando às lareiras
este tecido tão muito e tanto mal-usado
Mas em mim ainda subsistem incêndios
e o cheiro das carnes queimadas
a me permanecer condenado às saudades
Quando por fim o último morto partir
não havendo ninguém mais a lembrar
é que vou então deixar de existir
no debelar das fogueiras
e no vanescer da minha história
Joaquim Cesário de Mello