QUEIMADAS

Os mortos continuam morrendo

no apagar gradual dos meus dias

Há os que já se foram afogados

pelas inundações do tempo

tossidos das lembranças como se fossem

resfriados ou fumaças exaladas dos cigarros

Deles apenas lembro que os esqueci

no silêncio do interior fundo da não-memória

aquele lugar sem rosto rumor ou nome

onde habitam os sumidos abandonados

deixando em seus sítios agora vagos

velhas covas esperando novos apossados

Em meus pretéritos mais antigos

não me cabem todos os finados

é preciso o cessar de alguns fios

para continuar fiando às lareiras

este tecido tão muito e tanto mal-usado

Mas em mim ainda subsistem incêndios

e o cheiro das carnes queimadas

a me permanecer condenado às saudades

Quando por fim o último morto partir

não havendo ninguém mais a lembrar

é que vou então deixar de existir

no debelar das fogueiras

e no vanescer da minha história

Joaquim Cesário de Mello

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 29/01/2022
Reeditado em 29/01/2022
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