Abrem-se as asas, a auréola se anima,
Abrem-se as asas, a auréola se anima,
um anjo salta ao vento sibilante.
"Por que ao homem presta Deus a estima?
"Descubro-o!" —
e ele vai, sempre soante,
às terras onde os homens fazem casas,
havendo o ser mais velho e o ser infante.
Chegando, esse anjo fecha as suas asas
no cardigan austero, e usa as pernas:
conhece, finalmente, as terras rasas.
"São estranhas as coisas não eternas.
"A terra, a grama, a água — e o que mais —
"com ampulhetas mínimas internas..."
O anjo, então, de humanos foi atrás:
os líderes tantos das profecias,
reis das plantas e reis dos animais.
"Nem os anjos, a Deus, as alegrias
"tamanhas conseguiam provocar —
"como eram as humanas companhias!?
"Por qual mal vinham todas a expirar?
"Se Deus as fez perfeitas e queridas
"para que possam sempre lhe adorar,
"por que será que às terras prometidas
"poucas almas podiam se elevar?" —
anjos e suas dúvidas sentidas.
Um velho, pobre e triste, a caminhar
atraiu a atenção do anjo viajante,
que com ele quis logo conversar.
"Senhor! Antes que sigas adiante,
"responde-me a dúvida que trago
"sobre a humana existência limitante.
"És velho, tens o olhar cansado e vago,
"tua voz é rascante em demasia
"e já ninguém lhe quer trazer afago.
"És homem, tua vida é uma sangria...
"Por que sorriste sempre, quando jovem,
"sabendo que a velhice lhe viria?"
O velho, cujas dores o consomem,
levanta lentamente o seu semblante.
"Vós não também não sorris, ó jovem homem?"
"Porém não morrerei, idoso arfante.
"O riso me é eterno, não há dor.
"A ti, é pouco o riso ainda restante..."
O velho gargalhou de bom humor.
"Tais palavras falei na vossa idade
"a um velho se entupindo de licor!
"Ele me respondeu, bem à vontade,
"que eu teria meu dia igualmente!
"O mesmo eu voz digo à vanidade.
"Pensais que sois valente, diferente,
"que outro sangue vos corre, que outra essência,
"mas... Oh, esqueceis, sede alegremente!"
E foi-se, rindo na aparência,
ficando o anjo rindo ao coração.
"Como é tola essa humana renitência."
Então passou, brincando de vilão,
uma criança rindo, gargalhando,
fingindo-se maior como um dragão.
"Jovem! Antes que sigas caminhando,
"responde-me a dúvida que tenho
"sobre a humana existência degradante.
"És miúdo e de fraco desempenho
"em tudo o que na vida encontraste,
"então por que não franzes o teu cenho?
"Crescerás, morrerás. Disso zombaste
"no momento em que quis brincar de vivo!
"Da esperança não sentes o desgaste?"
A criança, com seu olhar furtivo,
abriu um sorrisinho abobalhado
e pôs-se a explicar, persuasivo:
"Puxa! Sois mesmo um homem engraçado!
"Julgais que eu, criança, morrerei
"um dia e restarei abandonado?
"Ora essa, dos loucos sois o rei!
"Minha vida é tão longa, tão comprida,
"que da morte fatal eu escapei!"
O anjo, ante essa criança ensandecida,
precisou explicar o que seria
o futuro de sua curta vida.
"Menino, esta vida te judia.
"Se piscásseis três vezes, a fraqueza
"da velhice tão logo surgiria."
O menino piscou com esperteza
três, cinco, quinze, vinte e sete feitas,
desafiando a própria pequeneza.
O anjo sai irritado.
"Quão estreitas
"as mentes dos mortais dos quais Deus fala...
"De si próprias caminham insuspeitas!"
Mais e mais furioso esse anjo estrala.
Enquanto vai seguindo a caminhada,
as maldições terríveis ele exala.
"Um velho que não pode saber nada
"dizendo que eu sou como fora ele
"seis décadas atrás, às gargalhadas!
"Um jovem com tamanho como aquele
"dizendo-se imortal como eu me digo;
"o que podia haver de grande nele!?"
Conforme ia o anjo errando em seu zumbido,
chevaga ele mais próximo à lagoa,
onde enfim se veria refletido.
Vendo-se:
"Ai, esta água me caçoa!
"Coloca-me enrugado e encanecido
"Como eu fosse não anjo, mas pessoa!"
Então, quando abre as asas, aturdido,
percebe que elas duas lhe sumiram,
e a havia auréola desaparecido.
"Não!
"Os mortais, injustos, me despiram,
"e agora sou um homem que envelhece!?
"Com qual arma os mortais me destruíram?..."
E Deus:
"Um castigo o vaidoso anjo merece.
"Agora ele verá, e muito bem,
"que, à morte, a risada é o que a apetece."
13, 14/01/2021