PULANDO CARNIÇA
Pula-carniça, salte traquina,
avance a esquina sem carros
e derradeira passará, desatenta,
pelas cercas rotas de arame-farpado
onde deixou meu pedaço desvestido.
Pula-carniça, salte um riso,
chupe manga no galho mais alto
e respire os peixes, livres do plástico,
no riacho da horta de verduras frescas
onde escondeu seu pedaço de cheiro.
Pula-carniça, salte à-toa,
jogue a casca de banana no céu,
e ganhe a amarelinha, qual um saci,
para os meninos de rua, tão invejosos,
que não a viram como eu: sem calçola.
Pula-carniça, salte a dor,
pule pela sombra refletida no pátio,
e só cresça quando o sol ficar adulto,
mesmo com a pouca vida do meio-dia
dos homens que viram sua sombra nua.
Pula-carniça, sobras de criança,
os jogos perdidos do tempo de menina.
E, quando sua infância não puder mais pular,
tire a bermuda do sol que pula-carniça
saltando pelas costas das manhãs.