QUADRAGÉSIMA SÉTIMA

Naveguei por mares

jamais salpicados em mim.

O mastro do barco,

garboso e elegante,

vestiu-se de velas e batas,

engravidou com o vento

e navegou nas brisas prenhas.

Calmaria é arte do porto, do parto

quando a esperança brinca de nascer

sorrindo para a vida e para a correnteza

catando colares, perfumes e panos-da-costa.

Na decima segunda onda,

saltando moleque com meio metro

acima das águas, aprendi a abrir rolhas

das garrafas meladas de sal, areia e poesia.

As minhas pernas eram ágeis,

corriam pela horta, chutavam bola

sem se acostumarem com o Vulcabrás

adotado pelos pés para andar na Escola.

Na décima terceira onda,

atracado numa baía bem mansa,

descobri dois montes, chamei-os seios,

beijei o colo da lua, tomei água de chuva.

Na décima quinta onda,

a estrela da saudade mais febril,

de braços ressecados ponta a ponta,

morreu na praia de maré baixa e insolação.

Na décima oitava onda,

a língua reconheceu o sal do sal,

o mistério, a carne do coco verde provada

no alvor da lua subindo e descendo aos céus.

No vigésima primeira onda,

os braços afoitos catavam peixes,

o milagre das águas, a força do Verbo:

pés e jangadas pisando sobre as águas.

Na vigésima terceira onda,

a bruma alva tingiu-se lacre,

a vela branca deu asas ao pôr-do-sol

e pesquei, em solidão, alguns vermelhos.

Hoje, na quadragésima sétima onda,

sempre ao sobressalto da próxima que virá,

continuo confiando no braço direito do meu Pai.

Hoje, na quadragésima sétima onda,

na paz daquela que lavará o olho-gordo,

mandarei fazer um padê em oferenda aos ateus

Hoje, na quadragésima sétima onda,

não pensaria que sobrevivesse fora do Aquário

nem imaginei estar mergulhado em ondas de amor.

Hoje, na quadragésima sétima onda,

no findo ciclo da língua de fogo, do aguardente,

jamais pensei que os mares fossem beber por mim.

E, lá nas ondas que arrebentarão no infinito,

hei de ver meus pés no equilíbrio de jangada

hei de ver os lemes do saveiro a favor do vento

hei de ver a silhueta sensual dessa cidade

que se afasta de mim sumindo e sorrindo

na doce onda do mar amado e cansado.