O CHEIRO DO DONO
O cheiro do dono sobrevive à lavagem de suas roupas.
Fica impregnado indelével na pele do tecido mesmo
depois de mergulhar no sabão e ser retorcido e virado sem dó.
O cheiro do dono é soberano sobre a mão do tempo,
resiste bravamente ao passar dos dias com todo vigor.
O cheiro do dono fala muito das suas peripécias,
perpetua o suor nos fios da alma impune, impávido, incólume.
Esse cheiro resgata cada fiapo de vida que o dono
traduziu, cada pedaço ungido de chão percorrido,
cada tropeço, cada rastro tocado de dor, de fé, de paixão, do que quiser,
do que for.
É estandarte iluminado, passível de se flagrado
por quem tiver o olfato liberto, sem amarras, sem
rédeas, sem medos.
O cheiro do dono é um tipo de bênção suave,
algo como o primeiro mamar, o primeiro beijar,
o primeiro morrer.