TRANSGRESSORES
Juntos,
há bem mais de meio milênio,
Erotildes e Juvenal apertam-se pelas mãos
no primeiro dia do novo ano-novo.
Sempre andaram juntos pelas calçadas do mundo.
Ela demorou muito tempo para acreditar na penicilina.
Ele, só agora, resolveu aceitar a chegada do homem à lua.
Erotildes,
de partos sempre difíceis,
perdeu, ganhou filhos pra vida
e tomou a primeira gota de álcool
para lactar com a velha cerveja preta
—- pela chegada de uma filha —
Juvenal,
de paciência sem virtude,
aspirou todas as bombinhas de ar
e só deu a primeira tragada no cigarro
para comemorar as suas bodas de ouro
— por insistência de um neto —
Juvenal,
sabedor da quietude sem pressa
como se a vida não escorresse
pela ampulheta lenta do soro,
resistiu sob os cuidados de Erótildes.
Erotildes,
ciente da ansiedade sem alardes,
como se o amor não transpirasse
pela pele com cheiro de talco,
consentiu ser a cúmplice de Juvenal.
Daqui os vejo dobrando a esquina do tempo
esticando passos na calçada além da felicidade
reaprendendo a soletrar frases de amor malfeitas
numa nova era onde, a vida de um caminhar a dois
transgride a possibilidade de qualquer criança de colo,
enquanto a morte, vulnerável e assustada, afugenta-se.