És rio, menino
Pensas que és mar!
Desconcertante oceano azul
com correntes gélidas e silêncio arrebatador,
com águas glaucas
e gosto de lágrimas insalubres
que, migrando sob distintos rumos,
afunda naves em grandes naufrágios,
em revoltos maremotos.
O Deus Netuno mostra sua força,
buscando mistérios escondidos em cavernas,
por vezes mostra-se calmo e disfarça,
acalentando a velha canoa ancorada na praia,
num pacato bailado de melodia dissonante.
Atinado, insidioso,
mar fatalmente traiçoeiro,
organismo absoluto poderoso
com ondas ferozes,
abatimento mortal,
faz desaparecer ínsulas,
escava rochas,
revela sua fúria
e exibe o interior da íngreme falésia de taludes
de tons alaranjados e cor de mel.
Amado...
Não és mar!
Não és raso e nem esse fundo arrasador!
Conheço-te!
Não és espuma, nem sal!
És rio!
És doce!
E procuras navegar novos leitos,
és água que verte...
Tu...
Rio menino,
rio que transborda,
rio que contorna os obstáculos,
rio que extravasa à procura de novos canais,
rio que flui,
água doce que preenche a cisterna,
que banha o solo,
que traz esperança,
que faz brotar o sustento,
que transborda a moringa.
És Rio doce, Rio Menino!
buscas a correnteza,
buscas novas aventuras.
Em noite banhada de luz,
teus olhos reluzem, cor de avelã.
Amado...
Tu sais à procura de um lugar de cavas profundas,
lugar onde encontrarás o justo repouso,
rio banhando,
rio aguando.
Eu?
Sou leito árido,
Tu...
Rio que mata a minha sede!
***
Poema do livro Cartografias da saudade
1º lugar no Concurso Universo literal