1988
pedi à mãe que saísse
não para que eu pudesse me despir
mas, abrir gavetas, vasculhar estantes
me eram tão íntimos quanto definir
o que fazer dali em diante
com os anos se acumulando
e os dias cobrando seu preço
rasguei cartas e bilhetes
pois não me reconheci
eu era tão jovem naquelas linhas
que me senti no dia em que nasci
as promessas não eram mais minhas
os rosto perderam o risco
estranhei aqueles nomes
para que tanta coisa?
meu Deus qual o porque de tantas caixas?
fotos marcadas por clipes arrancadas de velhas agendas
correios-elegantes, convites de baile, faixas,
festinhas de aniversário, lanches em casa e outras merendas
tudo cheirando a mofo
e perfume evaporado
não fiz questão de foto alguma
eu era tão feio na minha pretensão
de parecer britânico num universo tropical
onde na minha concepção não havia verão
apenas a necessidade de chocar e fazer sentir mal
todos que me amavam
os poucos que me entendiam
era o único no funeral de minha juventude
a viúva alegre bêbada de si mesma que cambaleava
e se debruçava sobre o caixão na intenção de beijar o morto
ou cuspir no morto à medida que a música avançava
num crescendo de baixos abafados e qualidade de aeroporto
muito, muito triste
ao mesmo tempo constrangedor
encontrei moedas antigas numa lata de pastilhas valda
talvez fossem uma poupança pra investir em cigarros soltos
que eu fumava escondido quando ainda não era dono de mim
simplesmente para imitar os outros
e parecer menos suburbano e chinfrim
muito jovem
e muito velho, ao mesmo tempo