Inventário

Entre as mãos e sobre os ombros

O acontecimento

O acontecimento inesperado, que, por ser inesperado

Como um presente que chega pelo correio

Sem remetente, chega

E rebuliça nossa existência

Assim é

Assim me sinto

Não minto

Sou eu com todos os erros

E raros acertos

Quando tudo estiver acabado

Que tal

Caro amigo leitor

Confessarmos, sem rodeios

O quanto sonhamos

Sem saber como realizá-los

E aí

Caro amigo leitor

Outro dia

Já nasceu

Saberá, talvez,

Aquele transeunte

Ignorado na multidão

Que amanhã já é sábado

E que a feijoada no boteco

Sem aviso prévio

Será esquecida

Porque o dono do bar

Sem aviso prévio

Resolveu que não queria mais as coisas da vida

A vida que se apresentou estranha

E fez dele estranho a si

Porque já cansado e velho

Sem saber

Porque nunca se sabe

Fez dele estranho no seu próprio espelho

A única coisa que sabia

Com tristeza, porém resoluto

Era que a feijoada não aconteceria

E assim ele decidiu

A feijoada não acontecerá

E o transeunte

Ignorado na multidão

Tão logo chegue sábado

Terá a insignificante certeza

Tão insossa quanto sopa de isopor

Que ao fim do sábado

E a feijoada adiada

Nada fez

Existiu sem vontade

Porque sem vontade

Quando compra algo

Gasta tempo de vida

E esquece quando nasceu