Dor visceral
Não quero falar da dor.
Quero falar do belo, do podre
e do austero.
Sim, o podre.
O podre belo
de beleza singular em perfume de carniça
viva.
O cheiro que invade as narinas atentas
e corrói cada válvula sangüínea,
tornando-as moribundas;
assim como, neste momento, estou.
Estou frio e pálido.
Morto-vivo.
Sangue corre?
Não hoje.
Se espalha em todos alvéolos,
em os dois pulmões
contaminados e embelezados
pelo cheiro de vida:
a podre carniça.
Também, o austero. Lindo e presente.
O austero: meu ser;
meu olhar; meu costume.
No fundo. Lá, no coração fatigado –
Penoso e ríspido dicionário de beleza inaceitável.
Ao contrário do que, agora, pensam,
não disse da dor.
Disse da vida, que é real, mística e bela.
Que é a contradição da própria vida;
o pecado e o espelho.
Pois sim, esta vida que levamos
e que nos leva, a cada tempo, à verdadeira – porém mentirosa – dor, que,
todavia, definem vocês por bem e virtude.
Aquela inevitável, vadia e deplorável dor:
O amor.