POEMAS TORTOS
I
eu venho de algum lugar/
morto sem excelência qualquer/
esta minha tristeza é a mesma/
como se fosse o além desta sombra/
no frio intermitente que lacera/
o que resta destes meus sentidos combalidos.
II
a morte me aguarda
na esquina do absurdo/
meu nome gravado/
na alma dos que se foram.
ouço ruídos estranhos/
quando abro e fecho as portas do nada/
há sangue na gargalhada dos fantasmas/
e no mais silêncio e dor.
III
eu quero o que não vejo/
como se fosse o que não fosse/
o tiro desferido impunemente/
contra meu rosto no escuro.
eu quero a dormência desta hora/
como uma serpente que engole seu jantar/
quero me arrastar pelas entranhas do invisível/
e cuspir fogo como um demônio resoluto.
IV
enquanto lixas as unhas/
o tempo deixa de ser o que é/
ao bebericar o chá benfazejo/
sem perguntas ou respostas no abandono do instante.
enquanto abres a porta/
os olhos custam a acordar/
açoitados por um aterrador silêncio/
no espanto de um mundo escurecido.
V
O que não sou/
o que não fui/
pertenço ao nada/
por isto esta sede/
por isto esta fome/
por isto e mais isto/
este tédio ao recobrir o mundo com palavras/
por causa de, por motivo talvez quase sempre ignorado/
o que não sou/
ou talvez o que não fui/
talvez não passe/
nem mesmo pense/
em sair ou fugir hoje à noite/
o que não sou e o que não fui/
quem sabe/
talvez/
talvez.
VI nunca disse o que disse/
chutei mais latas vazias do que ninguém/
o meu tempo se foi sem idade/
e um buraco gigantesco tomou a minha mente em surdina.
nunca disse o que disse/
apenas estive a cuspir palavras como um eu errante/
e andei por aí à procura de meu próprio rosto/
e morri muitas vezes ao me tornar um homem só.
VII
Retiro das coisas/
o que presta e o que não presta/
e reencontro a palavra sumo/
quando todas as raízes parecem fraquejar.
Retiro do ar a palavra ar/
para que o nada não pese/
mesmo que esteja com o estômago cheio/
de tanto abandono na lonjura do além.
Retiro das coisas/
o que é e o que não é/
para então sucumbir como os sábios/
que sempre acordam de mãos vazias.
VIII
meu nome é ninguém/
e nunca sei o que faço/
quando me perco no tempo/
ou não sei mais que horas são.
meu nome é ninguém/
nos cantos tristes das casas abandonadas/
no caminhar de uma alma ébria que assovia o infinito/
que então assola estes meus dias inúteis.