RETALHOS DE UMA NOITE.
Na noite fria
e coração turvo
um querubim sobrevoa
minha alma triste.
Estou a dois passos
de minhas loucuras,
teço no verso
o peso do abismo.
Serei uma fonte de luz
ou um solo árido,
tudo depende do meu olhar
que sobrevoa a imaginação.
Choro ,rezo e peno,
vejo sangrar o destino,
tudo está fechado,
é fria vala sepulcral.
Me coço e me irrito,
os olhos vastos e tristes
miram a parede muda,
um som atravessa a sala.
É ela, penso,vai voltar,
a dor me corta e me sangra,
como ei de retornar
ao varal da juventude?
Ela não vem,tudo é utopia,
desagua em mim a cólera,
o desengano escorre
e forma um rio em minha vida.
Tento escutar seu passo,
está tão longe a inspiração,
nenhuma Libélula
cruza a penumbra da sala.
Devo morrer e partir
para a universal morada?
ou sorrir para as paredes mudas ,
e apagar o ócio da noite.
Entorno na taça
a alma dos amantes,
me aquieto enquanto desaguo,
nada, nada me acalma.
Sou uma estrela apagada,
uma poeira num canto da sala,
que o vento não toca,
só por não representar nada.
Lá fora , vadia a noite,
como seus ruídos lendários,
enquanto na sala eu vivo,
os meus momentos precários.
Espero de olhar apagado,
que ela volte e me ocupe,
me devolva os cabelos de prata,
e me cubra de risos fartos.
Por um instante passa por mim,
as estradas de terra cortadas,
os casebres de beira de estrada,
e os riachos de boas pescadas.
Aumenta o desastre da dor,
ao olhar minha pele pintada,
a bengala encostada num canto,
esperando a próxima caminhada.
Choro e me desfaço,
me olho, me inspeciono,me curvo,
dou a derradeira tragada,
no cigarro de palha cortada.
E enquanto a fumaça esvai,
o espírito retorna a casa,
um galo canta lá longe,
anunciando o fim da madrugada.
Tudo está tão intenso,
neste coração enganado,
que sonhou uma vida inteira
em viver no eterno passado.
Abro então a janela da vida,
ouço as aves em revoada,
o canto que entoa em m'alma,
são os passos perdidos na estrada.
Uma lágrima assalta meu rosto,
deslizando na pele enrugada,
carregando as escórias da noite,
cujo corpo foi açoitado.
Então é dia radiante,
não há mais o que chorar,
numa fresta rasgada na noite,
o sol se propôs a iluminar.
Me trouxe conforto e alegria,
pôs meus cacos nos devidos lugares,
refazendo essa massa falida,
que observa o tempo passar...