UMA DE JOÃO-SEM-BRAÇO

UMA DE JOÃO-SEM-BRAÇO

Aqueles que fingem ser quem não são,

acabam se tornando o que nunca foram.

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Dei uma de João-sem-braço a exclamar pelas ruas:

-- "Deus, arracaram-m’o!"...

... ou melhor, tal como o famoso João, que esconde o braço sob farrapos e se expõe à piedade alheia, eu também saio rua afora berrando os versos que escrevo para o espanto de quem passa.

Mesmo me sentindo o tempo todo um impostor prestes a ser desmascarado, exponho-me como poeta e luto o vão combate da Poesia.

Pessoa, penso eu, até fez um poema a João: O BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO. E assim, um braço heroico arrancado, com armadura e tudo, atravessou os sonhos do lisboeta…

Fingidor, à maneira de Pessoa,

tornei-me eu um joão, isto é, algum; qualquer um.

Despersonalizei-me na persona do pedinte falso-aleijado-e-pretenso-poeta.

Mas, por acaso, o que seria um poeta de verdade? Quem poderia, de facto, arvorar-se poeta?

um tipo formado em letras ou filosofia que já leu tudo e todos?

ou outro artificial que s'expressa através de frases em estrofes e com rimas, ritmo e métrica?

ou algum poliglota tradutor-traidor que reescreve em nosso vernáculo subjetividades alheias?

ou qualquer d'esses que escrevem textos em versos e conssguem publicá-los?

ou alguém que, reconhecido pelo mercado editorial ou laureado por academias, se ocupe em ganhar certames?

ou mais um performático que declama verdadeiros enigmas em pubs escuros?

ou aquele sem-noção que se jacta mais sensível que o resto dos mortais?

ou ainda o empolado que ressuscita línguas mortas?

Quem tem o direito a chamar-se a si de poeta senão golpistas ridículos como eu?

João-sem-Braço... Outra personagem da tacanha capital colonial; da velha rua dos Inválidos.

Onde hoje, de janeiro a janeiro, rios de ruas compõe-se labirinto urbano: O Rio...

Isso e milhões de pessoas s'esbarrando sob o sol tropical. Ninguém é o que é: Cariocas do caos!

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Afinal, na Cidade Maravilhosa não posso ser, também eu, uma maravilha?

Talvez andasse pelos arcos da Lapa declamando poemas ininteligíveis. O décimo bêbado equilibrista de hoje…

Talvez convencesse, actor sem palco, que minhas misérias merecem atenção do respeitável público…

Talvez bebesse até cair e acordasse sem calças com a cabeça na guia da calçada com o sol d’um sábado de praia m’estraçalhando as ideias em sua realidade extrema.

Os que passam olham para mim e dizem:

"Um merda! Isso vive de linguiça frita e fardos de cerveja barata. Mora n'um barracão de dois cômodos, seu existensminimum…Roda de cêgê-zinha varando a Metrópole de ponta a ponta atrás de freelas de fome!" -- e gargalham -- No mais, escrever feito um louco e pagar para ser lido em antologias aleatórias. Quando dá na telha, s'embriaga madrugada afora como fosse um profeta do nada:

Apenas outro fodido na noite do Rio de Janeiro".

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Sim. Esse sou eu

e desleixado demais para ter uma mulher;

e distraído demais para ter um filho;

e alternativo demais para ter uma carreira.

Talvez meus severos críticos tenham razão: Vivo tomando porrada na cara e me levantando para tomar mais. Sou patético.

Mas, dou uma de João-sem-braço e de vez em quando faço alguém acreditar que poeto… Parvo que sou, insisto que toda a minha insignificante e solitária existência é, tão-somente, o desconforto necessário para trazer às letras uma frase autêntica de humanidade.

Talvez eu ame demais essa minha vida desgraçada, pedinte de aplausos por versos vãos nas madrugadas cariocas.

Pedinte falso-aleijado sim. Mas poeta!

Betim - 23 10 2021

RicardoC
Enviado por RicardoC em 28/10/2021
Código do texto: T7373430
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