dorândia

são raros os dias

em que podemos acordar

com o sol da verdade

a nos desproteger deliciosamente

quase cegando

pois verdade machuca a retina

preferem que estejamos adormecidos

em nossas salas sociais

em nossa celas urbanas de sono controlado

poeira na estrada

capim à beira

esconderijo

verdade é assim:

é pra ficar escondida

e pior

aproveitam-se da relatividade desta

(incômoda para muitos, e deleite para almas poéticas)

para abastecer a máquina do sono

o pernicioso mecanismo

instituído por essa cultura

nossa mãe

essa puta, mãe de todos nós

os filhos da puta

flores

olores e sabores suaves de sexo

eletricidade furiosa e animal –

no que os animais têm de melhor

nudez e abraços horizontais

de aconchego psicológico

de convergência

de encaixe

ouro

fios d’ouro de amor eterno

realidade

descoberta científica

na terra dos sapos

em dorândia

os sapos se transformam em príncipes

só lá

apenas lá naquele lugar

explorado por cientistas

onde cama vira mesa de laboratório

onde as pupilas dos pesquisadores dilatam

onde seus corpos tremem inteiros

há mais coisas do que sapos,

príncipes e princesas naquele lugar misterioso:

lá é o palco do fim do mundo

e o mundo tomou soníferos demais

psicotrópicos

o mundo acordado não cabe lá

e dorândia acordada

não cabe no mundo.

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 14/11/2007
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