dorândia
são raros os dias
em que podemos acordar
com o sol da verdade
a nos desproteger deliciosamente
quase cegando
pois verdade machuca a retina
preferem que estejamos adormecidos
em nossas salas sociais
em nossa celas urbanas de sono controlado
poeira na estrada
capim à beira
esconderijo
verdade é assim:
é pra ficar escondida
e pior
aproveitam-se da relatividade desta
(incômoda para muitos, e deleite para almas poéticas)
para abastecer a máquina do sono
o pernicioso mecanismo
instituído por essa cultura
nossa mãe
essa puta, mãe de todos nós
os filhos da puta
flores
olores e sabores suaves de sexo
eletricidade furiosa e animal –
no que os animais têm de melhor
nudez e abraços horizontais
de aconchego psicológico
de convergência
de encaixe
ouro
fios d’ouro de amor eterno
realidade
descoberta científica
na terra dos sapos
em dorândia
os sapos se transformam em príncipes
só lá
apenas lá naquele lugar
explorado por cientistas
onde cama vira mesa de laboratório
onde as pupilas dos pesquisadores dilatam
onde seus corpos tremem inteiros
há mais coisas do que sapos,
príncipes e princesas naquele lugar misterioso:
lá é o palco do fim do mundo
e o mundo tomou soníferos demais
psicotrópicos
o mundo acordado não cabe lá
e dorândia acordada
não cabe no mundo.