Poesia ao longo do corpo

meus filhos nascem e descem pra ver o sol

ver a rua

ver a realidade de que fujo

ver véu da noiva morta

e sonham como adulto interessantes

mesa de bar

casa de pensão

cor de luz

meus filhos ainda dormem

ao longo do meu corpo

poesia nasce sem que eu tenha tempo de orar

de falar aos altares do mundo

sem tempo de comer a terra que me proíbe de viver

e ,longe de mim,

a orquestra toca sem parar

meu corpo vibra sem notas ,

sem colisão

ao longo do meu corpo meus filhos brincam

mastigam as folhas róseas futurísticas

e pisam no meu umbigo como quem mergulha no rio sem janeiro

e como cantam esses meninos rudes

cruéis

bárbaros

meu sexo se faz canteiro de músicas

e meus filhos dormem sobre as folhas enormes do vento celeste

cheia de confetes

nuvens de gafanhotos estúpidos roubam minha doçura

e meu corpo mais uma vez é templo

é voz solitária

e pernas que se confundem com dedos na hora de ter filhos

Sou Chronos da minha força

sou dúvida em verso e prosa

e choro cotoveladas de silêncios infiltrados nos filhos

que sonham em meus dedos

escorregam pelos cabelos, invadem meus ouvidos

e morrem de poesia

num extâse

meu corpo se converte em monastério

poesia ao longo do corpo

poesia ao longo dos dedos

que penetram nos entulhos úmidos da escuridão

sem saber de onde vem a forma

a cor

a dúvida

a raiva

a fala

o monólogo

meu corpo e vestígio imoral dos filhos

pobres e sedentos de luz

de amor e veneno

poesia ao longo do corpo se torna minha condenação

meu câncer

meu beijo

e na cama desmaterializada

filhos morrem sufocados pelo meu peso corporal

pela minha virtude

pelo meu revolto sofrimento azul

pelo meu corpo onde meus filhos se despedem

e correm pelos becos do pescoço

e se jogam na infinitude do verso perfeito

da forma inabalável

dos dentes formidáveis

meu corpo é o sim sobreposto ao não

meus filhos são obras de um parto em mim

um homem que é a síntese de sua arte sôfrega

imutável

de sua poesia ao longo do corpo.

meu pulso está cortado...

Valdson Tolentino Filho
Enviado por Valdson Tolentino Filho em 19/11/2005
Reeditado em 15/07/2006
Código do texto: T73641