Se eu soubesse fazer bolo de chocolate
Com o mesmo ilusório domínio com que rabisco poesias
Estaria defiitivamente superada a angústia
De parecer (e em verdade ser)
Tão inútil nessa vida...

Bolo de chocolate, quantas relatividaes...
O recanto sacrossanto da cozinha, sons e fúrias
A receita relembrada, mas sempre esquecida
De uma avó que nos mira, desconfiada
Empoleirada em um ninho ancestral.

Mas há e vibra no ar o alarido das crianças, à espera
Exigentes ditadores impiedosos...
E também o aroma da guloseima amada
Por minhas mãos e por mim
Em solidão festiva engendrada.

Fosse eu mestre de cerimõnias dos bolos de chocolate
poderia imigrar, sem passaporte, a todas as nações.
Ir à cada daqueles que se casam porque se amam
E à ex-casa daqueles que se separam porque se amam.

Celebrar aniversários de filhos e netos
De velhos amigos e novos desconhecidos.
Testemunhar, lamentoso, tantos funerais
Ou repartir em fatias irmãs o jubilamento

Na universidade inevitável da velhice.

Só os segredos inescrutáveis do bolo de chocolate
Capazes seriam de, enfim revelados
Conduzir-me à almejada imortalidade.
Nenhuma arrogância de província
Nada!

Só mesmo a história íntima do bolo de chocolate

A levar-me triunfante à Antiga Grécia
Pelos circunspectos degraus do Partenon 

E eis-me tornado Hercúles, 
De um só e mesmo trabalho, sempre em construção
Mágico bem amado das festas e da libação.